A Igreja do século XVI já não era a mesma da Idade Média. O catolicismo passou a dividir espaço com outras religiões, e, na Europa, crescia o número de pessoas indiferentes à religião e ao transcendental. O Papa passou a falar ao mundo — de modo especial aos católicos — que, cabe ressaltar, não o escutam de maneira unânime. É diante dessa realidade que, em 2013, o mundo conhece o novo Papa da Igreja Católica: latino-americano, argentino. Em sua primeira fala, ele brinca: “Parece que os cardeais foram buscar o novo pontífice no fim do mundo.” Quanto ao nome, escolhe “Francisco”.
É interessante escrever sobre o Papa Francisco. Tenho a leve impressão de que o conheço, como um amigo que, tantas vezes, trouxe a muitos o sonho de uma nova esperança. A morte de Francisco é um tempo oportuno para revisitar suas contribuições a esta sociedade tão carente de amor, paz, tolerância e fé. As palavras carregam um peso simbólico, e o nome, por sua vez, traz uma identidade. Cada escolha não é despretensiosa.
São Francisco de Assis, santo da Igreja Católica do século XIII, teve sua experiência com Cristo iniciada no encontro com um leproso. O beijo que Francisco deu naquele homem chagado mexeu profundamente com suas concepções. Ele, que sentia repulsa, viu-se agora beijando um leproso. Sua vida então tomou outro rumo: o Poverello de Assis assumiu a tarefa de viver um novo modelo de Igreja, mais próximo daquele proposto por Cristo.
No dia 13 de março de 2013, o cardeal Bergoglio foi eleito Papa. Ao nomear-se “Francisco”, fez referência explícita ao exemplo que guiaria seu pontificado. Como portar-se diante dos escândalos financeiros, da pedofilia, do carreirismo e de tantas outras chagas que ferem a Igreja? O Papa posicionou-se com firmeza na busca da justiça. Reforçava que, na Igreja, não existem “promoções”. Entender a vida cristã dessa maneira é um erro crasso, que afeta as comunidades e promove disputas por poder.
O Papa Francisco, para além de sua notável capacidade de diálogo, possuía uma sensibilidade única. Destaco a maneira como nos convida a olhar para as outras religiões: não como inimigas, mas como caminhos distintos para se chegar a Deus. Gosto dessa ponderação. É como escrevia o grande teólogo Karl Rahner: são os “cristãos anônimos”. Existem sementes do Verbo, como recordava o Concílio Vaticano II a partir das concepções de Justino Mártir.
Em sua sabedoria, Francisco foi o Papa dos novos tempos. Deu atenção às causas urgentes, convidou o mundo a refletir sobre a imigração, as guerras, os embargos econômicos. Questionou aquilo que definiu como “a globalização da indiferença”. Apresentou um novo caminho para a educação por meio de um Pacto Educativo Global, centrando o processo na dignidade da pessoa humana e formando homens para o diálogo — atitude tão necessária nestes tempos.
Na Evangelii Gaudium, Francisco propôs uma renovação pastoral na Igreja, para que estivesse “em saída”, ancorada na alegria do encontro com Cristo. Reforçou a opção preferencial pelos pobres e não teve medo de afirmar que o modelo econômico vigente mata, pois promove a exclusão e a desigualdade social. Sua máxima era a humanização, frente à desumanização e à valorização da cultura do descarte.
Na Laudato Si (“Louvado Sejas”) e Fratelli Tutti (“Todos Irmãos”), Francisco honrou o Pobrezinho de Assis, trazendo à humanidade a urgência do cuidado com a casa comum. Assim, retomou um conceito já presente em São Francisco: a ecologia integral — a compreensão de que “tudo está interligado”, reconhecendo que não se pode defender o meio ambiente sem cuidar do ser humano, especialmente dos pobres.
O Papa Francisco sempre teve a sutileza de reforçar que todos nós participamos de uma fraternidade universal: irmãos e irmãs, com o dom da diferença. Dialogou com todos, acolheu sempre. As chamadas “minorias abraâmicas”, já descritas por Dom Hélder Câmara, tiveram espaço durante seu pontificado. Enquanto muitos cristãos segregam as pessoas LGBTQIAPN+, o Papa perguntava: “Quem sou eu para julgar?” Nosso querido Francisco é tão humano que, sem medo de errar, digo: há algo de divino nisso.
O mundo está um pouco mais triste, porque nos deixa um Papa humano, amigo, corajoso. Este é Francisco.
Por Marcos Moisés da Silva Duca
Graduado em História pela Universidade de Pernambuco Campus Garanhuns. Foi bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID/UPE), com atuação voltada à formação docente e ao ensino de História. É sócio efetivo do Instituto Histórico, Geográfico e Cultural de Garanhuns. Desenvolve pesquisas nas áreas de História das Religiões e Teologia, com ênfase nas relações entre religiosidade, cultura e poder.
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