terça-feira, 29 de novembro de 2016

O INÍCIO DA COLONIZAÇÃO DE GARANHUNS: A GUERRA DOS PALMARES - PARTE II

Mestre de Campo Domingos Jorge Velho e o seu filho Miguel
Coelho Gomes,  pai de Simôa Gomes.

Por  João de Deus de Oliveira Dias

No fim do século XVII, em 1694, sendo governador de Pernambuco Caetano de Melo de Castro e dominando os escravos  pretos foragidos os quilombos dos Palmares, perturbando a vida econômica da província, pelos frequentes assaltos às fazendas e engenhos, em busca de gêneros e armas e à paz de mulheres ou "negras", com as quais pudessem amasiar-se nos seus feudos e redutos, fortemente entrincheirados dentro da mata, contando com uma população de aproximadamente, quinze mil almas, resolveu o Capitão-Mor dar-lhes combate e, para esse fim, tendo recorrido ao Governador Geral, D. Matias da Cunha.
Zumbi dos Palmares.
Robert Southey, em sua "História do Brasil", disse que "resolveu Caetano de Melo fazer um vigoroso esforço para extirpar os Palmares antes que eles se tornassem muito poderosos, recorrendo ao Governador Geral e solicitando o auxílio de Domingos Jorge Velho, Mestre de Campo de um regimento de paulistas, estacionado em Pinhancó, no sertão da Bahia, com uma  tropa de mil homens".

O Governador Geral, então, conseguiu do Rei de Portugal, D. Pedro II, a determinação expressa de que o referido  Mestre de Campo, Domingos Jorge Velho, grande sertanista, comandante de um terço de paulistas, que se encontrava no domínio da Casa da Torre, se encaminhasse para Pernambuco, a fim de exterminar os quilombos e reduzir, novamente, os pretos fugidos à escravidão primitiva.

"Serra da Barriga" em União dos Palmares-AL.

Ernesto Enes, no seu livro "A Guerra dos Palmares", afirma que, já em 20 de julho de 1690, "informava aos oficiais da Câmara de Porto Calvo o Governador de Pernambuco, D. Antonio Felix Machado, Marquês de Montebelo, que brevemente sobe para o sertão dos Palmares o Mestre de Campo do Terço dos Paulistas, Domingos Jorge Velho, a tratar de sua conquista e da extinção dos negros fugidos que o habitam".

"Os negros fugidos aproveitaram da oportunidade para se recolherem nos Palmares, onde desfrutavam um solo fecundo e uma natureza privilegiada; onde os rios, as lagoas, a caça, a pesca, as matas e os frutos eram abundantes. É possível, e até certo ponto seguro, que nesta emergência de guerra, nem só escravos e cativos se utilizassem do seguro asilo dos Palmares, que também os negros libertos, mulatos, índios mansos a até brancos criminosos e desertores covardes procurassem ali o refúgio seguro contra as calamidades de guerra".
Foi assim que se constituiu e desenvolveu essa famosa Confederação dos Palmares, que quase ocupa inteiramente o século XVII e embora, para alguns autores, ela não passe de uma monótona revolta de escravos, para outros constitui uma república forte e organizada, e talvez até queiram ver nela os primeiros movimentos de independência da raça, senão a  constituição de um estado negro, que mereceu a crítica severa de Nina Rodrigues: "A todos os respeitos menos discutíveis é o serviço relevante, prestado pelas armas portuguesas e coloniais, destruindo de uma vez a maior das ameaças à civilização do futuro povo brasileiro, nesse novo Haiti, refratário do  progresso e inacessível à civilização, que Palmares vitorioso teria plantado no coração do Brasil".

D. João da Cunha Souto Maior, Governador de Pernambuco, em 8 de agosto de 1685, ao assumir o cargo, enviou esforços para que Fernão Carrilho intentasse uma segunda expedição aos Palmares, a qual foi realizada em 10 de janeiro de 1686, com aparente sucesso, em relação à sua excursão anterior, no governo de D. Pedro de Almeida, em 1677, na qual  fracassara dadas as suas atitudes dúbias, pelas quais foi punido com a prisão de cárcere.

Reabilitado na segunda entrada ao sertão de Pernambuco e Alagoas, com a efêmera vitória sobre os quilombolas, reclamou o rei com insistência as vinte léguas de terra que lhe foram prometidas em sesmaria, além de "88 mil réis de tença nos dízimos das terras dos Palmares e de outra tanta quantia a seu filho pelos serviços que havia feito naquelas guerras".
Não obstante, essas guerras e muitas outras anteriores, que moveram aos quilombolas os expedicionários D. Pedro de Almeida, em 1674, e D. Manuel  Lopes, 1675, os pretos foragidos, uma vez reorganizados os seus arraiais, continuaram as sortidas  invasões das fazendas e currais de gado dos vaqueiros sertanejos, e dos engenhos da zona da Mata, motivo que levou o Governador D. João da Cunha Souto Maior, em de 11 de março de 1687, a pedir a EL-REI D. Pedro II o auxílio do sertanista paulista Domingos Jorge Velho, segundo documento publicado por Ernesto Enes: "No princípio do meu governo, comecei logo a entender na guerra dos Palmares, movido das contínuas queixas que me faziam os moradores das vilas que lhes são vizinhas, requerendo-me acudisse a socorrê-los, porque os negros, vendo  a pouca oposição que lhes faziam, se desaforaram mais do costumado. Na mesma ocasião, tive notícias que uns homens da Vila de São Paulo se achavam no sertão do rio São Francisco, ocupados com os seus esquadrões na acostumada conquista dos gentios; mandei-os convidar que me quisessem ajudar na guerra que determinava fazer, assegurando-lhes mercês e prêmios, em nome de Vossa Majestade; entraram as doenças e com uma nova vaga que conceberam de que eu era falecido, se frustaram  todas as minha esperanças, porque faltou o seu socorro. Neste mês de março, mandaram uns enviados pelos quais me representaram que se achavam com poder bastante para se disporem à empresa, com pouco  dispêndio da fazenda de Vossa Majestade, e que só queriam remuneração da conquista dos negros que asseguram, e aceitasse alguns partidos com que acometiam; eu os aceitei, por me parecerem convenientes, e lhes fiz outras promessas, com que se  despediram satisfeitos, providos de algumas munições com que os mandei socorrer. Já dei conta a  Vossa Majestade dos primeiros progressos desta empresa. Agora que se oferece este caminho tão fácil e tão certo para se conseguir a vitória mandará Vossa Majestade dispor o que mais conveniente a seu serviço; eu tenho por sem dúvida, segundo o parecer de todos que só por meio poderão os moradores de Pernambuco livrar-se do pejo que está má vizinhança lhes causa; do que Vossa Majestade resultará a glória de ver livre de tanta opressão estes seus vassalos e acrescentada muito a sua real fazenda; como também acabada uma guerra que tantos desvelos tem custado em tantos anos".
O grupo sertanista Domingos Jorge Velho uma vez convidado que foi para combater os quilombolas no sertão dos Palmares, pelo Governador D. João da Cunha Souto Maior, após a lavratura do contrato no dia 3 de março de 1687, quando apresentou as suas reivindicações, o Governador Geral, D. Matias da Cunha, o envio para os sertões do Rio Grande do Norte e do Piauí, a fim de exterminar os silvícolas de raça Cariri (Janduins e Canindés) que se haviam rebelado e assolavam aquelas capitanias do Nordeste.

Acompanhado do Capitão Ajudante Luís da Silveira Pimentel, do Capitão Cristovão de Mendonça Arraes, do Capitão Antônio Mendes da Silva, do sargento-Mor Miguel Coelho Gomes, seu filho, pôs-se em marcha, naquela data de 3 de março, com os seis mil homens, segundo assevera Robert Southey, à frente do seu terço composto de 850 índios frecheiros e de 150 soldados brancos, como ele próprio confirmou depois em carta,  escrita do seu punho a EL-Rei D. Pedro II "desta guerra estava formado o meu terço, a saber de oitocentos e tantos índios de cento e cinquenta brancos, quando ao chamado de Vossa Majestade e do seu Governador João da Cunha Souto Maior".
Esta campanha de extinção do gentio Cariri durou cinco anos (1687 a 1692), em que os silvícolas desolados e batidos pediram a paz, que o Governador Feral D. Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, sucessor de D. Matias da Cunha, lhes concedeu pelas capitulações de 10 de abril de 1692, que Ernesto Enes cita e transcreve o seguinte trecho da carta datada de 18 de junho do mesmo ano, em que diz: "Em 17 de abril deste ano, vieram a esta cidade (do Salvador) os dois maiorais Tapuias, moradores na Capitania do Rio Grande, Campos do Assu, que há 5 para 6 anos fazem guerras aquela Capitania, com notável dano dela, e me vieram pedir pazes, e também em nome do seu rei Canindé, eu lhas concedi por me parecer conveniente ao serviço de Deus e de Vossa Majestade e o pouco proveito que se tem tirado daquela guerra e a despesa que nela se tem feito", e cujas capitulações eram as que seguem na linguagem em que  foram apresentadas: "Em 5 de abril, deste presente ano chegaram a esta cidade da Bahia, Joseph de Abreu Vidal, tio do Canindé rei dos Janduins, maioral de 3 aldeias sujeitas ao mesmo Rei, e Miguel Pereira Guaveju Pequeno, maioral de 3 aldeias sujeitas também ao mesmo rei Canindé; e com eles o Capitão João Paes Floriano Portuguez, em nome do seu  sogro putativo chamado Hhongugé, maioral da sua aldeia Sucuru, da mesma nação Janduin, dividida em 22 aldeias, sitas no sertão que cobre as capitanias  de Pernambuco, Itamaracá, Parahyba e Rio Grande, nas quais há de 13 para 14 mil almas e 5 mil homens de arcos, destros nas armas de fogo; e vindo estes maiorais nomeados com mais de 15 índios e índias que os acompanhavam à presença do sr. D. Antonio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho, Governador Geral do Estado do Brasil, lhe representou o Principal Joseph de Abreu Vidal, em língua portuguesa não bem falada, e pelo dito Capitão João Paes Floriano, seu interprete, foi dito que eles vinham de 380 léguas a pedir e estabelecer com o dito sr. General, em nome do rei dos Janduins-Canindé, uma paz perpetua para viver a sua nação e a portuguesa como amigos".
Apaziguados os ânimos do gentio Cariri e ferro e a fogo, pelas tropas aguerridas do grande sertanista Domingos Jorge Velho, que deixaram os campos dos rios Assu e Piranhas, bem como das serras do Araripe e do Ararobá talados, com o  consequente morticío de milhares de silvícolas das tribos Canindé, Janduin, Icó e Sucuru, regressou, então, o intrépido Mestre de Campo, em fins de 1692, aos campos dos Unhanhu, ou campos dos Garanhu, em cujas cercanias, nos bosques frondosos de serras escarpadas, permaneciam emboscados os pretos dos quilombos.
Assim era a situação na serra da Barriga, nas proximidades de União dos Palmares, onde se havia estabelecido em mucambos, que dominavam penedias e escarpas, rodeados de profundos fojos e cercados de sucessivas estacadas, o rei Zumbi, "chefe da Tróia dos negros voltados à vida bárbara", na expressão de Oliveira Martins.

Viviam, deste modo, os quilombolas embrenhados na escuridão das florestas, nos desvãos das grotas, em vigilantes posição de tocaia, contra os brancos escravagistas.

A imensidade da mata virgem, ocupada pelos negros dispersos em seus arraiais, era um  permanente perigo que urgia remediar, máxime quando a área coberta tinha uma extensão de 1.060 léguas quadradas, constituindo um paralelograma, na citação de Ernesto Enes, "que começando na serra de Haca dos campos dos Unhanhu, corre 10 léguas ao sudoeste, e dela corta ao nordeste até topar no rio Ipojuca que são os rumos da costa de Pernambuco, desde o rio São Francisco até o Cabo de Santo Agostinho, com 20 léguas de largura".
Domingos Jorge Velho, então, após haver entregue a direção da guerra dos gentios ao seu conterrâneo, o sertanista Matias Cardoso de Almeida, a mando do Governador Geral, marchou para os Palmares, varando muitas léguas o sertão de Pernambuco, em procura dos negros rebeldes, desfalcado de mantimentos e munições.

Localizando os Palmares, a 10 de novembro de 1692, Domingos Jorge Velho e os seus homens "trataram logo de guerrear estes negros rebelados, cousa que lhe não foi fácil nesse princípio pela pouca experiência que tinham das traças, astúcias e estratagemas desse inimigo, e nenhum conhecimento das disposições destes países, mui fragoroso e mal penetráveis", segundo Rocha Pombo na sua clássica História do Brasil.

Aí encontraram os reforços que lhes havia enviado o Governador Marquês de Montebelo, assevera Ernesto Enes, "constituídos por uma tropa de 60 homens, moradores da Capitania das Alagoas e outra dos moradores do Porto Calvo, os primeiros, tanto que viram que da primeira investida não se pode levar uma cerca adiante da qual a acharam, desmaiaram, e temendo que lhes faltasse de todo o mantimento que lhes restava retiraram-se outra vez para as suas casas, e os segundos (os do Porto Calvo) fizeram o mesmo do meio do caminho...", o que obrigou a Domingos Jorge Velho, que "também estava totalmente falto de tudo e o terço muito destroçado de fomes e marchas, também descesse a buscar refazimento".


A verdade era, porém, comenta Ernesto Enes, que Domingos Jorge Velho encontrara tamanha resistência da parte dos negros, que não conseguira abrir brecha no arraial onde se achavam fortificados por "três ordens de cerca e muitos fojos e estreparia da banda de fora e da primeira carca à segunda tudo era cava, com duas andainas de torneiras, umas rentes ao chão e outras mais acima..."

Domingos Jorge Velho, então, baldo de recursos, comunicou ao Governador de Pernambuco, que "o negro está deliberado a morrer dentro da estacada, pois está inexpugnável", motivo pelo qual, assevera Rocha Pombo, "obrigaram o sertanista a retirar e o mandaram com a sua gente para uma praia deserta, sem nunca os socorrerem".

Esta praia deserta era a fluvial do riacho Paratagi, que desce da terra dos Unhanhu (Garanhun) e que, segundo Rocha Pombo, foi onde o bandeirante paulista se demorou, durante dez longos meses, imobilizado até o fim de 1693.

Domingos Jorge Velho permaneceu, portanto, empatado dez meses naquele recanto embrejado da serra dos Garanhuns, retido pelas intrigas, segundo Ernesto  Enes, "de algumas pessoas interessadas na conservação deste estado de coisas", que muito o molestaram.

O Governador Caetano de Melo de Castro, entretanto, cerrou ouvido às conversas dos mal intencionados e prestou auxílios ao Mestre de Campo paulista, com tropas e munições de guerra e, no fim "desses enfadonhos dez meses passados na praia deserta do riacho Paratagi, logo que recebeu as ditas munições de guerra a nenhuma de boca, pôs-se em marcha com o seu terço só". Pôs-se em marcha, à procura dos quilombolas, com seu terço dizimado de tanta gente, que perdera  campanha do sertão do Rio Grande do Norte, do Ceará e do Piauí, não contando, então, "mais que de seiscentos soldados do gentio e de quarenta e cinco brancos", segundo o seu próprio relato em carta de atestado, expedida logo depois da guerra.

Os auxílios enviados pelo Governador de Pernambuco, Caetano de Melo Castro, eram constituídos "de muitas pessoas ricas de Olinda e Recife, as quais voluntariamente, quiseram ir naquela expedição, impelidas do próprio valor e da vingança, que esperavam tomar daqueles inimigos pelos danos que lhes haviam causado, comandados pelo Capitão-Mor Bernardo Vieira de Melo, bem como algumas companhias mais mais luzidas tiradas dos dois terços de infantaria de Pernambuco", segundo Rocha Pombo, e gente comandada e capitaneada pelo Sargento-Mor Sebastião Dias, e outros que só "do Natal até 12 de janeiro de 1694 se lhe foram ajuntando, tropas auxiliares dos moradores e de infantaria paga, com as quais começou o bloqueio à fortificação dos negros, durante cerca de vinte e dois dias".

A cidadela negra compunha-se de "uma cerca muito forte de 2.470 braças craveiras, com torneiras a dois fogos a cada braça, com flancos, redutos, faces e guaritas, coisas antes não usadas deles; e os exteriores tão cheios de  estrepes ocultos e de fojos cheios deles, de todas as medidas, e uns de pés, outros de gargantas, outros de verílhas, que era absolutamente impossível chegar à dita cerca, ao redor".

"E por o lugar ser muito escarpado e íngreme, mal aparecia um soldado na extrema da estreparia para especular e tirar algum estrepe, que era pescado da cerca nem lhes era possível fazerem aproches, que a espessura da raizama do mato era tanto, que não dera lugar a cavar, dado que houvesse com que..."

Reunidas as forças e invadida a  cidadela negra pelo Mestre de Campo Domingos Jorge Velho e os seus comandados, na noite de 5 de fevereiro de 1694, foram impiedosamente massacrados cerca de quinhentos pretos e escravizados outros tantos, fora os que conseguiram evadir-se sem contar o avultado número de mulheres e crianças, que viviam naquele reduto fortificado.

O rei Zumbi, mal ferido, foragiu-se, com parte do seu exército, e a outra parte, vendo-se perdida, arremessou-se do alto da penedia, na qual se encastelara.

A luta foi tremenda, dentro da escuridão da noite, com refregas de lado a lado, pois os quilombolas uma vez cercados, reagiram como puderam, com "armas de fogo e flechas disparadas dos seus baluartes, bem como a água fervente e brasas acesas lançadas pelas estacadas, do que recebiam os invasores  muitas mortes e ferimentos..."

Desde modo, ficou aniquilada a célebre Tróia negra e extinta a terrível Confederação dos Palmares que muito sangue e dinheiro custou à Colônia e à Metrópole.

Em resumo, essas expedições para prear os silvícolas, combater os holandeses e exterminar os negros dos "quilombos", muito concorreram para o descobrimento e povoamento da região garanhuense.

Foi portanto, com o estabelecimento dos índios cariris nas serras componentes do sistema orográfico da Borborema, que chegaram a se situar definitivamente, nas serras isoladas de Umã, Tacaratu, Ararobá e Garanhuns, em primeiro lugar, e, em seguida, com a perseguição a esses silvícolas e combate aos escravos pretos fugidos, residentes nos Palmares, disseminados e escondidos nas penedias e pelos desvãos das grotas, dentro das matas sombrias e das caatingas espinhentas, pelos bandeirantes paulistas e pelos senhores dos engenhos de Olinda e Porto Calvo, que o povoamento daquela região planaltina se originou, abrangendo uma área aproximadamente, de 36 mil quilômetros quadrados.

Afirmou Ernesto Enes, citando um documento encontrado no Arquivo Ultramarino de Lisboa, do qual é Diretor, que a Capitania do Ararobá "cobria uma extensão de mil léguas quadradas, que constituem um paralelograma, o qual, começando na Serra da Haca, dos Campos de Unhanhu, corre dez léguas ao sudoeste e dela correndo (outras dez) ao nordeste, até topar no rio Ipojuca, que são os rumos paralelos da costa de Pernambuco, desde o rio São Francisco até o cabo de Santo Agostinho, com vinte  léguas de largura".

A serra de Ararobá, ao norte do Estado de Pernambuco, compreendia as serras de Ararobá propriamente dita, a do Cachorro, a do Gavião e a de Jacarará, aonde nesta última, na lagoa do Angu, nasce o rio Capibaribe.

Alfredo Leite Cavalcanti, no presente livro, afirma que "a região à margem direita do rio Canhoto, desde as suas cabeceiras até confrontar com  a serra dos Bois, está a cinco quilômetros a leste da cidade de São João, com uma extensão para o sul que varia de quinze a trinta quilômetros, e toda de vegetação baixa (tabuleiros) e todos os primitivos documentos que ela se referem a denominam de Campos dos Garanhu".

"Provavelmente, continua o Autor, "o nome Garanhu foi transmitido pelos índios habitantes da região aos seus descobridores, um dos quais foi Gabriel de Brito Cação".

"Este descobridor, quando passou a escritura de venda do seu quinhão de terra no sítio Buraco, em 6 de outubro de 1710, o fez com a declaração de que dentre os mais bens que tinha era uma sorte e quinhão de terras no sitio do Buraco nos garanhu o qual sítio do buraco lhe derão a ele e seus companheiros por descobrirem os garanhu".
Fonte da Pesquisa: Livro "História de Garanhuns", de Alfredo Leite Cavalcanti.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE GARANHUNS - PARTE I -



No meado do século XVI, o monarca D. João III, interessando-se pelo desenvolvimento do sertão do Nordeste, ordenou no Regimento entregue ao Governador Geral D. Tomé de Souza, em 17 de dezembro de 1548, que, "sendo de muita conveniência descobrirem-se as terras sertanejas, para esse cometimento, logo que chegasse ao Brasil, enviasse alguns bergantins com soldados da Milícia, pelo rio São Francisco acima, com línguas e práticos, fincando marcos e tomando posse das terras descobertas".

Sucedendo a D. Duarte Coelho, na Donataria de Pernambuco, seu filho Duarte Albuquerque Coelho o primogênito ainda no Reino, tratou logo desta conquista e, regressando à sua Capitania, uniu-se ao seu irmão, Jorge de Albuquerque Coelho, empreendendo no ano de 1560 uma grande expedição ao rio São Francisco.

"Nesta jornada", disse Pereira da Costa, "restaurou algumas pequenas povoações situadas à sua margem, em cujo número fique a do Penedo e, consequentemente, com uma campanha de conquista dos silvícolas se consumiram cinco longos anos, em cujas lutas percorreu o exército pernambucano as planícies, as montanhas e os desertos daquela zona sertaneja, desde os seus limites ao sul pelo mesmo rio, até o extremo norte, exterminando a grande maioria das populações indígenas que habitavam o vale".

Foi somente no ano de 1573, que o feudatário da Casa da Torre, Garcia d'Ávila, chegou a Sergipe, na margem direita do rio São Francisco, onde chantou marco de fundamento de sua Capitania.

Quando Cristovão de Barros tomou posse do governo da Bahia, em 1590, empreendeu e conseguiu a conquista das terras de Sergipe, obtendo pelas vantagens da escravidão, a que foram submetidos os índios Caetés vencidos, poderoso incentivo para a vitoriosa empresa de que, efetivamente, disse Pereira da Costa, resultou avultado concurso de gente de Pernambuco e da Bahia.

Não podendo os selvagens resistir ao embate de um considerável exército, dispondo de grossa artilharia e de numerosas forças de infantaria e cavalaria, além de quase três mil índios frecheiros aliados, viram eles, inopinadamente, invadidas e taladas as suas terras, destruídas as suas aldeias e lavouras e, por fim, depois de uma defesa heroica em combates e assédios, saem vencidos, custando-lhes a terrível campanha cerca de três mil mortos e caindo prisioneiros e escravos quatro mil, que foram divididos pelos expedicionários, como vantagens da guerra".

Através, portanto, dessa inglória campanha de extermínio dos silvícolas e mediante a instalação dos currais de gado e penetração dos rebanhos, tangidos pelos valentes vaqueiros do Nordeste, é que se processou realmente o desbravamento daquela região ignota e feraz, consolidando-se a posse indiscutível dos vastos latifúndios devolutos, em face do direito adquirido pelo "uti possidets".

Esse foi o processo primário empregado pelos colonizadores para a conquista das terras sertanejas, mediante a outorga de sesmarias pelo Reino.

"A criação do gado", disse o Prof. Osório de Souza Reis, que foi a causa primordial da expansão geográfica do Brasil oriental, desenvolveu-se, a princípio, nas imediações da cidade do Salvador e, pouco a pouco, foi se estendendo a Sergipe, a Pernambuco e para o interior, ao longo do rio São Francisco. À medida que a criação se afastava do litoral, iam-se abrindo caminhos e fundando povoados, em torno de fazendas dos vaqueiros. Vida aspérrima, embora dura que a dos bandeirantes, passaram esses primeiros ocupadores do sertão".

"Não eram os donos das sesmarias", escreveu Capistrano de Abreu, "mas, escravos ou prepostos. Carne e leite havia em abundância, mas isto apenas. A farinha, único alimento em que o povo tem confiança, faltou-lhes a princípio, por julgarem a terra imprópria ao cultivo da mandioca, não por defeito do solo, mas pela falta de chuva, durante a maior parte do ano. O milho, a não ser verde, afugentava pelo penoso preparo naqueles distritos estranhos ao uso do monjolo. As frutas mais silvestres, as qualidades de mel menos saborosas, eram devoradas com avidez. Podem-se apanhar muitos fatos da vida daqueles sertanejos, dizendo que atravessaram a época do couro. De couro era a porta das cabanas, o rude leito aplicado ao chão duro. De couro, todas as cordas, a borracha para carregar água, o mocó ou alforge para levar comida, a mala  para guardar roupas, a mochila para milhar cavalo, as peias para prendê-lo em viagem, as bainhas de facas, as bruacas e os surrões, a roupa de entrar no mato, os banguês para curtume, ou para apurar o sal; para  os açudes, o material de aterro era levado em couros puxados por juntas de bois, que calcavam a terra com o seu peso; em couro pisava-se tabaco para o nariz".

Quando Cristovão de Barros, no ano de 1590, iniciou a conquista daquela terra, as boiadas tangidas do sul já haviam ultrapassado o rio Itapecuru.

De 1590 a 1600, as campinas entre o rio Real e o São Francisco povoaram-se de tão numeroso concurso de pastores que, segundo Frei Vicente do Salvador, "desde  o ano de 1627, dali se proveem de bois os engenhos da Bahia e de Pernambuco, e os "açougues de carnes".

"O rio São Francisco", disse Pedro Calmon, "foi um polarizador. Nenhum outro rio do Brasil teve uma função histórica tão constante. A sua importância, como condensador de povos, pertence à Arqueologia da América".

"Gabriel Soares dá notícia da localização de populações naquele vale fértil, cimitarra de terras agrícolas, cortando o desolado sertão. Quase todas as raças indígenas do Brasil, excetuando-se apenas os Aruaques, ali se estabeleceram. Assim, os Gês, os Tupis, os Cariris e mesmo os Caribes perlustraram aquelas regiões ferazes. Cada uma dessas famílias, rivalizando com as vizinhas, conquistou, em tempos pré-colombianos, o seu direito de beber e pescar no rio providencial, espécie de torrente milagrosa, que ficava para além da caatinga inabitável, estrada móvel, enriquecendo com as cheias periódicas, como o Nilo, um solo salitroso e fecundo".

"De Pernambuco e da Bahia, os criadores seguiam, lenta mas seguramente, o rumo do São Francisco. Depois acompanhavam-lhes as margens. Embarcados, os primeiros chegaram à barra do rio Grande, subiram até o Carinhanha, remontaram às terras centrais que foram, mais tarde, as Minas Gerais. Nem para alcançar o São Francisco os nordestinos precisavam armar as suas bandeiras; o próprio deslocamento dos rebanhos e a necessidade de pastos, que tornavam as fazendas imensas, alargaram o âmbito do gado até o vale maravilhoso. Deveras, o São Francisco atraiu os rebanhos de Pernambuco, cujos engenhos passaram a dispor apenas dos bois necessários ao manejo dos trapiches, tanto que lá se abasteciam das boiadas inumeráveis, ao tempo dos holandeses".

"A Casa da Torre retomou, em 1627, os trabalhos do seu fundador Garcia d'Ávila e achou a comunicação com o São Francisco por Jacobina. Recolhera ela a experiência de Belchior Dias Moreira, que subira ou acompanhara  o São Francisco, entre a barra do rio Salitre e o Parnamirim, de lá trazendo histórias de minas de prata, que justificariam, por cento e cinquenta anos, expedições, pesquisas, caças de índios. O gado irrompeu com os sertanistas. As estradas de boiadas foram os caminhos definitivos. Pelos mesmos transitou o exército português, nas guerras com o flamengo invasor de Pernambuco e por eles rolou o povoamento, semeando aldeias e vilas por todo o nordeste".

"A Casa da Torre", disse o Prof. Joaquim Silva, "foi, em meados do século XVII, um dos maiores centros de expansão pastoril para o Nordeste. Dessas terras foi que partiram para as suas grandes empresas os sertanistas Domingos Afonso Sertão, Domingos Jorge Velho e Matias Cardoso de Almeida".

Desde modo, começou o povoamento de Pernambuco, através da penetração do rio São Francisco, com o estabelecimento dos currais de gado e fazendas de criação, no vasto interior do Estado, subindo os vaqueiros os afluentes da margem esquerda e, uma vez descobertas as suas nascentes, transpuseram os seus divisores de água e alcançaram os cursos dos rios da bacia do Atlântico, pelos quais desceram.

Fonte da Pesquisa: Livro "História de Garanhuns" de Alfredo Leite Cavalcanti.