Pernas ao ar
Então, ando a retomar minhas coisas, que não são poucas. Como já vos disse trouxe a bagagem recheada de dados da investigação, e, aos poucos, tento encontrar algum sentido a estas vozes e percentuais. Tenho plena consciência que estou atrasada, mesmo sem olhar o cronograma da tese. Tenho data certa para voltar e fico apreensiva todo final de encontro, de um seminário, uma formação. Tenho sempre a impressão que ainda não fiz nada. Falta tanto... E nem sempre tenho certeza do que tenho que fazer, vou assim, do meu jeito, aos tropeções. As coisas acontecem. Vamos em frente.
Às vezes, a Europa parece-se comigo: aos trancos e barrancos, vão vivendo. Não muito felizes ou quase desesperados. Vi, no debate quinzenal no Parlamento, o Primeiro Ministro dizer que não vê um mundo cor de rosa. Na verdade, a coisa aqui está preta. Nos trópicos, sabemos mais da Espanha e da Grécia, pois quanto pior, mais mídia. Zezinha, na chegada ao Brasil disse-me que Portugal convulsionava em passeatas e manifestações nas sedes dos Concelhos. Dia 15 de setembro foi marcado por manifestações em todo país. O anúncio de aumento de impostos, cortes nos salários e benefícios do funcionalismo público levou uma multidão a manifestar-se contra o arrocho ao povo português. Quando desembarcámos em Lisboa, acompanhamos as imagens mudas nos monitores de cristal líquido, tentando adivinhar os fatos noticiados. Ao ver imagens de manifestantes atirando tomates muito maduros na polícia, emergiu a pobreza em mim latente: "Ê, desperdício! quanta salada ou molho jogados ao lixo." Pobre é fogo. Como já disse outra vez por aqui nas minhas elucubrações econômicas é um padrão de crise completamente diferente do que já vivemos na década perdida. Cá em Aveiro, há um barbeiro na Praça Marques de Pombal, próximo ao nosso apartamento. É uma sociedade entre um Português e um Brasileiro, do Espírito Santo, que migrou para cá na época das vacas gordas. Na sua última visita, Tony rapidamente se enturmou com os frequentadores do pequeno salão. Lá, homens de todas as nacionalidades se encontram para discutir a crise. O barbeiro brasileiro caçoa da choradeira portuguesa, dizendo que eles não sabem o que é crise. E pedia a confirmação de Tony, a quem chamava de Brasil: "Diz ai, Brasil: esse povo sabe o que é crise? Crise é a que enfrentamos no Brasil, lá era um ovo para dois." Ri imenso com a história. Outra vez ele me trouxe a reflexão de um senhorzinho muito arrumado de chapeu, bengala e sobretudo. Já à saída, voltou a discussão e decretou: "O problema maior de Portugal é que passamos nossa vida inteira a explorar os outros e nunca produzimos nada. Agora, não há mais inocentes. Temos que aprender a produzir." Fiquei a pensar na abordagem do idoso. É de se pensar muito para concordar ou discordar.
Os reflexos da crise que vemos estampada nos jornais e comentadas na tv são perceptíveis na nossa vida cotidiana. Nas primeiras semanas do retorno, andávamos nas ruas verificando quais as pequenas empresas que haviam encerrado. O galeto na brasa, fechou. A tabacaria, fechou. A loja de lindos ternos, fechou. Estamos no país do "trespassa-se", "arrenda-se" ou "vende-se". Em algumas montras (vitrines) aparece da noite para o dia o cartaz: "Encerramos nossas atividades. Bem haja!" Em meio a essa quebradeira generalizada, inaugurou essa semana uma floricultura enorme nas vizinhanças do barbeiro. Vá entender esse povo? É matando cachorro à grito "pero sin perder la ternura jamás". Contudo, nem sempre é possível manter-se na linha. Outro dia, ia chegando ao supermercado que frequento, tinha uma confusão dos diabos na Caixa 1. A atendente, vermelha até as raizes dos cabelos, tentava explicar a uma senhora de óculos enormes e cabelo lilás que a empresa não podia mais debitar no cartão uma compra com valor inferior à 20 euros. Estamos mais do que acostumados a passar compras por pequenas que sejam com os cartões de débito. São mais práticos e evita ter que fazer levantamentos (saques) no Multibanco (Caixa eletrônico), embora não existam taxas de movimentação, como tínhamos no Brasil. Lembram da CPMF? Pois, a senhora não sabia e dava o maior escândalo. Fiquei sabendo só pelo descontrole da outra cliente. A estratégia nada mais é do que a tentativa de aumentar a liquidez do negócio. É preciso dinheiro vivo para saldar compromissos com descontos. É, do jeito que vai, daqui a uns dias, retornaremos ao escambo.
Nesse cenário de crise, a reversão só é possível com um governo que tenha coragem de tomar decisões de impacto (ou impacte? Ih, Rui Vieira, isso eu não aprendi!), que busque alternativas para minimizar os problemas a curto e médio prazo. Tudo que não vemos por cá. O Passos Coelho é um picolé de chuchu versão light. Um boneco nas mãos da Troika (grupo da UE responsável por cobrar o retorno do investimento feito no país, e que muitos acreditaram que era empréstimo a fundo perdido. E desde quando existe almoço grátis?), um executor de ordens, que, frequentemente entram em conflito com os interesses nacionais. Além disso, os poderosos do governo não se entendem: O Coelho diz A, o Portas diz B. O Segundo diz "não estou sabendo", no melhor estilo Luiz Inácio. Outro dia, passaram um pitu (drible) na nação, mandaram um orçamento para a UE, sacrificando ainda mais os benefícios e aumentando impostos. O interlocutor português falou na TV e assim, todos ficaram sabendo. Na economia, qualquer segredo é de liquidificador: rapidamente alguém ganha por falar. Quando se perde a credibilidade não há moção de repúdio que dê jeito. Não se governa com imposições, para que as medidas funcionem é preciso credibilidade. E confiança é o que o povo português menos tem em seus gestores públicos.
Um brasileiro que olhe a fotografia do Presidente Cavaco Silva a hastear a bandeira no último dia 05.10, dia da República, nem perceberá. Um observador mais atento, estranhará o ar de pasmo das senhoras da sociedade que acompanhavam a cerimônia. Mas, o que é que há? A bandeira está de cabeça para baixo, de ponta cabeça, ou como dizem os portugueses "de pernas ao ar". É assim que vejo Portugal nessa minha observação participante: sabem que tem que ser feito algo, mas não sabe-se o quê, nem como. É como eu e meus dados. De minha parte, vou começar a agir, pois não é possível ficar a esperar parado como um jacaré: vou aproveitar que estou no país do "trespassa-se" e vou fechar a "oficina do diabo" que é a minha fertilíssima imaginação. Vou trabalhar e deixar vocês em paz.
Esperando, sinceramente, que esse país viva dias melhores.
Até amanhã, fiquem com Deus.
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